A Editora Jorge Zahar no ano de 1997, lançou a primeira edição do grande livro, de Christian Delacampagne- História da Filosofia no século 20, com, então, 308 páginas. Esse texto foi de grande utilidade para a inteligência brasileira, os jovens universitários, os sempre professores ou pessoas interessadas. Ler esse trabalho mostra como conceber a Filosofia não como algo meramente teórico, ao contrário, a Filosofia é que determina a própria História, quer interpretando, quer infletindo sobre os homens – chave, quer vendo os fatores que determinaram as mudanças humanas no século 20.
Ao recitar poemas de Rabindranah Tagore, indiano, Prêmio Nobel, o professor Delacampagne analisou “ questões técnicas de Filosofia”. Para o autor o primeiro filósofo do século 20, o inquieto e inquietante Ludwig Wittgenstein, que tratou sempre de linguagem e aprofundou o estudo da matemática com Bertrand Russel e , assim provoca os chamados filósofos de peso. Delacampagne mostra que o filósofo Ludwig, além de analisar profundamente a linguagem também olhou a poesia como sabedoria, a base da vida humana. Quer que “ interpretem” e “sintam”tanto estética quanto aritmeticamente- o que parece não corresponder a idéia que tantos têm da Filosofia. Entretanto, Wittgenstein como Delacampagne o fizeram vendo que o século 20, um pequeno século, foi o século terrível dos totalitarismo, cujos filósofos totalitários usavam da poética e da matemática para expressarem suas idéias terríveis. Aqueles que não leram o “Tratado Lógico –Filosófico e Investigações Filosóficas de Wittgenstein não percebem porque aquela época se mostrou tão densa de destino e o jovem filósofo percebeu o que viria de trágico adiante. Estávamos em 1927 e, a partir de 1930 – 33 a 45 tivemos uma guerra em que a técnica, portanto matematicamente, mas também poeticamente, chegamos à Segunda Guerra Mundial.
Em 33, Hitler, eleito Chanceler do Reich, embora resistência tímida, algumas decisivas denúncias nas Universidades e meios literários chegou-se ao monstruoso Hitlerismo- Nazista. Decreta o Chanceler um veto no exercício de cargos públicos a quem ele chamava não-arianos, enquadrando o pensamento. O que foi fundamental para esse regime monstruoso sobreviver foi o caso de um Heidegger, considerado com Ser e Tempo o maior livro filosófico do mesmo tempo. Grupos de poética renovadora de jovens alemães também entraram nesse jogo político terrível. Estávamos na pátria da física, da mecânica pesada, da filosofia, também da cerveja, da alegria de uma classe burguesa e de uma elite que não compreenderam a Democracia Social de Weimar, fraca e débil. Então, o mais celebre pensador germânico e quiçá mundial, o mesmo Martin Heidegger aceitou ser nomeado Reitor da Universidade de Freiburg. Entre sua eleição e a posse, filiou-se ao Partido Nazi. A perseguição aos judeus e aos cristãos teve apenas no Cardeal Von Galen, Edith Stein, então secretária de Husserl, o pastor e escritor Bonhoeffer, as igrejas em geral se nivelaram aos covardes, uma tristeza!
O judeu e alma tão cheia de angústias, que foi Wittgenstein, pressentiu tais ocorrências dolorosas, assim como também o hebreu Walter Benjamin, este de orientação marxista lutam, escrevem, denunciam, mas, ao tentar sair da Europa, é detido na fronteira franco-espanhola e sabendo que seu fim destinal será o campo de concentração do regima Hitleriano, suicida-se.
Entre os anos 1945 – 68, no após guerra imediato agiganta-se o francês Jean- Paul- Sartre. Desde textos difíceis, como o seu livro básico de pensamento – O Ser e o Nada – bastante heideggeriano, aos seus romances, sobretudo a sua peça teatral- As Mãos Sujas-, faz o mundo ser existencialista, o homem está- aí-solto, sem destinação transcendente, obrigada pela liberdade a lutar no plano do imediato e da terra. Existência, apenas ; não convivência ; não tem essência , uma utopia que apenas grita e há de descer ao ringue. O que ele faz, variando do marxismo teórico ao sovietismo mas rompe com partido comunista francês, e até em 1968, lutando nas ruas, nas barricadas, distribuindo folhetos e panfletos, um grande pensador apoiando a Revolução Cultural de Mao- Tsé- Tung.
Wittgenstein pressentiu todo esse drama... É um século vazio que será preenchido algum dia? Até agora não...
A “História da Filosofia do Século 20” está escrito didaticamente e há nele um vocabulário técnico e ampla bibliografia, o que facilita a leitura. Pergunto : vida e obra, no filósofo sempre simetrizam-se ? A história da Filosofia, em si , e esse trabalho em particular, mostram que o homem pensa e que pensar é perigoso! O agostinista pensamento de Descartes – penso, logo existo – simetriza-se com o que Heidegger quer expressar em sua dialética em Ser e Tempo mostrando que o homem intervém, certa ou erradamente, e deve faze-lo , e segundo Sartre se não o fizer não viveu e que o sutil e tão simpático Wittgenstein teve como “jogo”. Walter Benjamin ao suicidar-se, não mostraria também ser esse ato um protesto e que, viver, só se alcançamos ideias e ideais que nos humanizam? Por outro lado, entre o “engajamento” filosófico e “ elitismo” os filósofos dos séculos 20 e 21 também dão testemunho positivo ou negativo, tiveram todos uma palavra, certa ou errada, destinaram-se em seus trabalhos por uma humanidade com ou livre da exploração do homem pelo homem, o que é indicativo de bem e mal em fusão no viver humano. No regime do capital, o capital virou apenas dinheiro comprando as consciências e desfazendo o ser do homem, uma parte negativa na democracia apenas formal... Sartre não seria como foi porque perdeu o pai tão cedo e não teve o senso de paternidade e por isso não poderia ver o Pai, jogando sempre assim entre o Ser e o Nada... Benjamin ergue-se pelo ideologismo marxista que lhe era peculiar como uma luta pelo humano e, na pele, padece, porque é hebreu suprema vergonha para a ignomínia nazista, para monstruosidade hitleriana.
Séculos das grandes guerras e das grandes revoluções de 1914-39 e 39-45 de guerras sujas, de chegada à lua, de elevados padrões tecnológicos, agora de computadorização que leva Kasparov a “ jogar” tão igualmente com um computador, o século 20 tem em Wittgenstein, em Benjamin, em Sartre e em Heidegger seus grandes “profetas”. Um deles profetiza que a máquina ou a técnica abrangerá os horizontes, positiva e negativamente, o que Sartre mostra que todos temos mãos sujas, que todos somos culpados. Sobretudo quando nos calamos ou aceitamos. Aceitamos o quê? As ideologias nazi-facistas, soviéticos stalinistas de falso socialismo, de um liberalismo fujão e de uma democracia que não resolveu ainda os problemas da liberdade e do existir, da fome em mais de metade da humanidade.
Delacampagne demonstra que os filósofos clarearam a vergonha de ser homem ( com quedas e atitudes pessoais e coletivas dolorosas) e o desespero, entre a servidão e a liberdade. O que pensaria Sartre, ao lado de Simone, a grandíssima romancista, em face de seu balanço eterno entre uns e outros? O que pensaria Benjamin instado a morrer suicida devido a um tipo racial? O que pensaria Wittgenstein no silêncio do coração ferido e sensível e suas inúmeras viagens de judeu errante? O que pensaria Heidegger, sozinho, na sua montanha, quando via que, como pensador, aderiu a um regime desonroso e desumano ?
Mas os filósofos agiram: cumpre ver o que pensaram e fizeram certo ou errado no presente que é hoje no século 21. Os filósofos são perigosos: fazem pensar.
Germano Machado foi Professor da UFBA ( Universidade Federal da Bahia) e da UCSAL ( Universidade Católica do Salvador) . Fundador do CEPA – Circulo de Estudo Pensamento e Ação- Movimento Educativo-Cultural.
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